Demóstenes Torres, durante a sessão que cassou seu mandato (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
O senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO) foi cassado nesta
quarta-feira (11) por quebra de decoro parlamentar e ficará inelegível
até 2027. Ele é acusado de usar o mandato para favorecer o bicheiro
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Em votação secreta, 56 dos 80 senadores presentes votaram pela
cassação, 19 foram contra e houve 5 abstenções. Com o resultado,
Demóstenes se tornou o segundo senador cassado no Brasil; o outro foi Luiz Estevão, em 2000.
Para se confirmar a perda do cargo, aprovada anteriormente por unimidade no Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça,
seriam necessários, no mínimo, 41 votos de senadores. O único senador
ausente na sessão foi Clovis Fecury (DEM-MA), que está de licença desde o
dia 6 de julho.
Com a cassação aprovada, Demóstenes Torres tem seus direitos políticos
suspensos por oito anos a contar do fim do mandato parlamentar, que se
encerraria em 2019. Com isso, Demóstenes só poderá voltar a disputar
eleições a partir de 2027, quando tiver 66 anos.
Em tese, ele poderia questionar a cassação no Supremo Tribunal Federal
(STF), mas ainda nesta terça (10), antes da decisão, o advogado de
Demóstenes, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, descartou uma
apelação na Justiça. "Não vamos recorrer. A decisão do plenário é
soberana. Não há como fazer qualquer tipo de recursos. Só nos cabe
aceitar a decisão", disse o advogado.
Com a perda do mandato, Demóstenes também perde o foro privilegiado e
deixa de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde é alvo de
inquérito. Como é procurador de Justiça do Ministério Público de Goiás
licenciado, Demóstenes passa a ter como foro o Tribunal de Justiça de
Goiás.
O senador cassado foi acusado de quebra de decoro parlamentar por
suspeita de ter utilizado o mandato para auxiliar nos negócios do
contraventor, preso pela Polícia Federal no fim de fevereiro durante a
Operação Monte Carlo sob acusação de explorar jogos ilegais e corrupção.
Poucos dias após a prisão, surgiram notícias do envolvimento de
Carlinhos Cachoeira com Demóstenes Torres.
No lugar de Demóstenes deve assumir o primeiro-suplente, Wilder Morais - veja perfil. Segundo reportagem do jornal "O Globo" publicada nesta quarta, Wilder omitiu boa parte de seus bens na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Eu quero pedir aos senhores. Por favor, me deem a oportunidade de
provar que sou inocente. Não acabem com a minha vida. Não me deixem
disputar uma eleição só em 2030."
Demóstenes Torres, durante discurso no plenário do Senado
'Bode expiatório' e 'cão sarnento'
Demóstenes chegou ao plenário nesta quarta para sessão que votaria sua
cassação antes dos colegas e permaneceu sentado durante os discursos.
Antes da votação, voltou a negar ter favorecido o bicheiro e disse que foi um "bode expiatório" e "perseguido como um cão sarnento".
"Eu fui perseguido como um cão sarnento. Tudo o que aconteceu na minha
vida e o que não aconteceu veio a público. Mandaram jornalistas para
todo lugar de Goiás e do Brasil. Por que não apareceu meu nome em
desvios? Eu fui investigado como ninguém no Brasil. E não apareceu nada,
nada, nada. Aí começaram a inventar", disse Demóstenes.
"Eu quero pedir aos senhores. Por favor, me deem a oportunidade de
provar que sou inocente. Não acabem com a minha vida. Não me deixem
disputar uma eleição só em 2030", completou.
Apesar da votação secreta, a sessão, que começou às 10h11, foi aberta e
as galerias do plenário já estavam repletas de pessoas convidadas por
partidos, que receberam 100 senhas para assistir de perto.
O senador Demóstenes Torres com seu advogado
no plenário do Senado (Foto: Geraldo Magela/
Agência Senado)
Relembre o caso
No começo de março, a primeira denúncia
indicava que Demóstenes havia recebido uma cozinha de presente do
contraventor. No mesmo mês foram revelados indícios de que o então
senador vazava informações do Congresso para Cachoeira. Depois disso,
surgiram novas suspeitas de tráfico de influência em diversos órgãos
federais. Em abril, Demóstenes deixou seu partido, o DEM, e passou a ser alvo de processo no Conselho de Ética.
Desde o início das denúncias, ele alegou que sua relação com Cachoeira,
revelada em gravações da Polícia Federal, se limitaria à amizade e que
não sabia de qualquer atividade ilegal. Em discursos e na defesa
escrita, Demóstenes alegou que as inteceptações eram ilegais, por não
terem sido autorizadas pelo STF, questionou a interpretação dada sobre
os diálogos com Cachoeira e se disse vítima de perseguição política e da
opinião pública.
Demóstenes adotou comportamento incompatível com o decoro mandato. Ele
feriu de morte a dignidade do cargo e a ética que se impõe aos
parlamentares"
Pedro Taques, senador
Discursos na sessão
A representação que pediu a cassação de Demóstenes por quebra de decoro
parlamentar foi de autoria do PSOL. Em nome do partido, o senador
Randofe Rodrigues (AP) usou a tribuna por 30 minutos para afirmar que o
senador quebrou o decoro e defender a cassação.
Randolfe afirmou que as gravações feitas pela Polícia Federal entre
Demóstenes e Cachoeira deixam claro que as relações entre o senador e o
contraventor não eram apenas pessoais. "O que está em jogo é um sinal
para milhões de brasileiros sobre a credibuliade de uma instituição",
afirmou. "O diálogo mostra claramente o nível de relação entre Cachoeira
e o representado [...] Muitas são as provas que mostram a conduta
incompatível com o decoro parlamentar."
Antes de Randolfe, o senador Humberto Costa (PT-PE), relator do
processo no Conselho de Ética, afirmou que Demóstenes mentiu aos
parlamentares ao negar sua relação com o contraventor.
"Vossa Excelência disse aqui que não sabia dos afazeres ocultos de
Carlos Cachoeira. É muito difícil acreditar. Como poderia não saber das
atividades criminosas? [...] Que amigo é este que não procura saber por
que o amigo havia sido indiciado por seis crimes. Portanto, me perdoe,
mas Vossa Excelência faltou com a verdade", disse o relator.
Quem também defendeu a cassação do mandato durante a sessão foi o
senador Pedro Taques (PDT-MT), relator de processo contra Demóstenes na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Segundo ele, Demóstenes "feriu
de morte a dignidade do cargo".
"Demóstenes adotou comportamento incompatível com o decoro mandato. Ele
feriu de morte a dignidade do cargo e a ética que se impõe aos
parlamentares", disse no discurso.
O senador Demóstenes Torres com seu advogado no plenário do Senado (Foto: Honório Jacometto / TV Anhanguera)
Histórico de cassações
Antes de Demóstenes, apenas um senador teve o mandato cassado: Luiz
Estevão, então no PMDB-DF, perdeu o mandato sob a acusação de ter
mentido no Senado ao negar envolvimento no desvio de R$ 169 milhões nas
obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
A cassação ocorreu no dia 28 de junho de 2000, com 52 votos a favor da
cassação, 18 contra e dez abstenções. Além do mandato, Luiz Estevão
perdeu os direitos políticos até 2014.
No ano seguinte, Antonio Carlos Magalhães, então no PFL-BA, renunciaria
ao mandato antes da votação de um processo de cassação, motivado pela
revelação de que obteve a relação dos votos da cassação de Luiz Estevão.
O ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, então no
PSDB-DF e líder do governo, também renunciou, sob suspeita de ter
fornecido a lista. Ambos foram eleitos novamente em 2002, ACM para o
Senado e Arruda para a Câmara.
Ainda em 2001, Jader Barbalho (PMDB-PA) renunciou, também para evitar a
perda de direitos políticos. Na época, ele presidia o Senado e era
acusado de desvios no Banco do Estado do Pará, fraudes na extinta
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e venda de
títulos da dívida agrária.
O processo mais recente de ameaça de cassação ocorreu em 2007, quando o
então presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) foi acusado de ter
as contas pessoais pagas por um lobista. Na época, ele renunciou à
presidência do Senado e escapou da cassação.